Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

Meu Nome é Daniel

Meu Nome é Daniel

Redação - 19 de junho de 2018
Por Arthur Salles

A certa altura de “Meu Nome é Daniel”, o diretor, narrador e personagem central do estudo visto em tela, tenta, por repetidas vezes, acender um palito de fósforo. Tarefa tão trivial e simples para a maioria das pessoas, essa acaba por se transformar em um momento de respiro em determinado ponto. Daniel, o mesmo do título, é acometido por uma deficiência que lhe afeta a fala e demais extensões de sua coordenação motora. Não diagnosticada até hoje, a possível verificação e reconhecimento da enfermidade é a motivação de seu realizador para o registro e apresentação de sua vida – servindo de si mesmo não somente como fio condutor, mas final “objeto” a ser analisado pelo filme.

Intercalando gravações (registradas por Super-8 e fitas VHS, principalmente) de sua infância com as recentes filmagens, já concebidas com o intuito de pertencerem ao filme, Daniel Gonçalves (em sua estreia na direção de longas-metragens) faz de seu relato um acompanhamento íntimo de seu desenvolvimento, relegando, por vezes, sua doença (e a investigação dessa) ao segundo plano. Como na cena citada acima, em que Daniel, após fracassadas tentativas, interrompe a cena gritando “corta!” e caindo no riso, a autoconsciência do próprio filme e de seu realizador é o que demarca cada momento da projeção, sempre acompanhada pela narração descritiva (sobre fatos, integrantes e sentimentos) do protagonista. É por se entender como o que o é, e não pelo que o aflige, que as declarações e situações vividas por Daniel se afastam de fáceis e baratos apelos emocionais, criando empatia por seu carisma e vivacidade.

O grande destaque de “Meu Nome é Daniel”, além do próprio, claro, é sua narração como elemento de articulação entre cada registro exposto no filme. Carregados pelo tom irônico, os comentários do diretor abordam cada momento para além de sua contextualização, servindo-se como ferramentas fundamentais para sua aproximação junto ao público. Além de encontrarem boa sustentação no humor do narrador, nesses também são confiadas pequenas revelações e confissões, antes desconhecidas por familiares ou amigos de Daniel. Ainda que a narração verbalize por demais o que é projetado, é por meio dessa que o filme constrói o enlace necessário para cooptar o espectador logo em seus minutos iniciais, mantendo seu bom ritmo por toda a duração.

As reflexões do protagonista sobre os fragmentos de seu crescimento, da infância à adolescência, mais contrastam do que se alinham às captações atuais. Por um (longo e) determinado período, “Meu Nome é Daniel” nos oculta quase que completamente os registros recentes de seu diagnóstico. Daniel constrói o próprio “eu” pelo resgate do passado, apresentando tal como a história de si mesmo a ser contada; quem ele é, hoje, não se deve à verificação de sua doença, mas a tudo o que viveu, devidamente apresentado ao espectador.

Nesta perigosa trilha entre auto compadecimento e descrição (ora objetiva em forma, ora subjetiva pela narração), “Meu Nome é Daniel” joga um pouco de sua atenção para questões muito além de seu percurso. Remetendo à uma fala de sua mãe, introduzida pela metade do filme, sobre condição social, seu encerramento pouco agrega ao restante do longa – deslocando-se, na verdade, de toda sua construção. Apesar da natureza passiva e apaziguadora do discurso, é a assertividade das declarações e apresentações enviesadas por Daniel que ganham vida fora da sala de cinema e em cada espectador – independentemente de quaisquer classificações sociais.


Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival Olhar de Cinema de 2018.
Para conferir mais textos da nossa cobertura, clique aqui e vá até o final da página.

Topo ▲