Anos 90

Anos 90

Para além do fetiche nostálgico

Wallace Andrioli - 13 de junho de 2019

Numa cena logo no início de “Anos 90”, estreia de Jonah Hill na direção, a música “Kiss from a rose”, de Seal, é ouvida ao fundo de uma conversa entre o protagonista, Stevie (Sunny Suljic), sua mãe (Katherine Waterston) e irmão (Lucas Hedges). Algum tempo depois, o procedimento se repete com “Where did you sleep last night”, do Nirvana, numa festa de adolescentes em que Stevie perde a virgindade. Essa escolha de Hill é reveladora de sua relação com o período em que a narrativa transcorre. Longe de querer transformar a década de 1990 num gimmick fetichista, atendendo a demandas de quem cresceu naqueles anos e passa, hoje, dos 30, o diretor integra concretamente o contexto ao cotidiano dos personagens. Eles existem nos anos 90, consomem produtos dessa época, mas tais produtos só surgem em cena a partir de necessidades da história, e não como piscadelas para o espectador.

Há um momento específico em “Anos 90” no qual Hill traz para o primeiro plano uma canção emblemática do período: “We’ll let you know”, de Morrissey. Trata-se, no entanto, de uma cena chave para a construção dramática, pois é nela que Ray (Na-kel Smith), o idolatrado líder do grupo integrado por Stevie, se abre e estabelece vínculos emocionais com o protagonista. Novamente, esse não é um mero souvenir saudosista que o diretor deixa pelo caminho, mas sim o uso orgânico da melancolia e da falta de propósito da vida experimentadas quando se é jovem e expressas na melodia e na letra de Morrissey.

Livre dessas amarras nostálgicas, portanto, o filme consegue extrair enorme força das figuras humanas que o povoam. Especialmente de Stevie e seu grupo de amigos, adolescentes dedicados ao skate, ao consumo de álcool e a festas. O risco maior aqui seria recair num cinema à lá Larry Clark, cujo “Kids” (1995) foi um sucesso transgressor justamente entre aqueles que viveram intensamente a década de 1990. Mas “Anos 90” é, na verdade, uma espécie de anti-“Kids”. Apesar de não ignorar as consequências dos atos irresponsáveis de seus personagens (os dois acidentes com Stevie, sobretudo), Hill tem especial interesse nos afetos inconsequentes que movem esses garotos, criando laços que podem, ou não, ser duradouros. Nesse sentido, o filme guarda mais semelhanças com “Conta Comigo” (1986), de Rob Reiner, e seu final belo e devastador, do que com a brutalidade moralista de Clark.

É verdade que há nostalgia na cena que encerra “Conta Comigo” – a última fala do narrador (Richard Dreyfuss) é inequívoca nesse sentido: “Eu nunca mais tive amigos como os que tive aos doze anos” – mas ela jamais suplanta o desenvolvimento cuidadoso dos personagens por Reiner. Hill, como Stevie, foi adolescente na década de 1990 e viveu algumas das experiências do protagonista. Logo, há sim alguma dose de nostalgia em “Anos 90”, talvez inevitável quando se avança na vida adulta. Não à toa a conclusão se dá com uma cena bastante carinhosa. O maior mérito do diretor, então, é conseguir equilibrar essa nostalgia com o que mais importa no filme: a história, as pessoas presentes nela e seus sentimentos, que, no fim das contas, poderiam aparecer relativamente intactos em narrativas ambientadas em outras décadas não tão distantes da de 1990.

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