Batman vs Superman: A Origem da Justiça

Batman vs Superman: A Origem da Justiça

Épico extravagante de Zack Snyder subverte a história de ambos os protagonistas históricos para o momento presente

Vitor Torga - 5 de outubro de 2020

“Você sabe qual a maior mentira da América? É que o poder pode ser inocente.”

Talvez o filme de super-herói de efeitos especiais mais literal já feito, em parte porque é uma análise direta do confronto entre os dois maiores superes da história (pelo menos na época do lançamento) e em parte porque o Zack Snyder é um dos cineastas mais sem nuance do momento e parece não se importar com isso em momento nenhum. Na minha crítica do Homem-Aranha original do Sam Raimi, chamei atenção às diferenças entre a origens do personagem titular e outros protagonistas e antagonistas famosos das HQs, mas é interessante notar que mesmo diante de certos de personagens com inúmeras variações, homenagens, semelhantes e cópias ainda é possível trabalhar suas narrativas com originalidade.

Por exemplo, os filmes do Batman do Tim Burton eram sobre como o trauma do Bruce Wayne fez ele perceber a brutalidade do mundo e aceitar que elas existem pra lutar contra elas, criando esse mundo gótico assustador a ser enfrentado. Já os do Christopher Nolan são sobre como esse trauma justifica o apreço do herói pelas estruturas, daí o conservadorismo da sua trilogia. E aqui é um brutamontes que não salva ninguém (a não ser os funcionários da sua empresa no início durante a batalha de Metrópolis), ancorado por um Alfred velho e ranzinza, como que irritado porque seu chefe quer destruir uma divindade, que é o conceito que reinava o seu mundo. O Cavaleiro das Trevas prefere ficar espancado os sequestradores enquanto a polícia encontra os reféns ainda em cativeiro, não tem nenhum desejo em salvação nas suas ambições, só essa raiva enraizada da criminalidade em geral (acentuada pela menção a morte do Robin). As fundações do personagem estão ali, mas a exploração narrativa é muito diferente.

Os filmes clássicos do Superman de Christopher Reeves são sobre a percepção do Superman sobre a humanidade, este é um filme sobre a percepção da humanidade sobre o Superman, mas também são sobre como essa percepção é fabricada. É um filme que assim como a realidade atual acredita nos bilionários como os escolhidos de Deus, übermenschen dignos do encontro com o sobrenatural, na forma do Bruce Wayne com seu encontro inicial com os morcegos e premonições em forma de sonho e do Lex Luthor com acesso a tecnologia alienígena e o seu encontro com o Steppenwolf no corte do diretor. São esses bilionários que se opõem ao Homem de Aço e essa oposição é, muito mais do que a do Estado (na época de lançamento, o Partido Democrata) simbolizada pela senadora, quase poderosa o suficiente pra derrotar o kryptoniano. O Batman não pode invadir a casa de Lex Luthor mas Bruce Wayne é convidado, e até brinca que podia ser dono do jornal onde Clark Kent escreve, se quisesse podendo fazer o jornalista escrever contra o seu próprio alter ego. O Deus adorado quase vencido por dois ricaços que mal sabiam que estavam trabalhando juntos. O Estado quer controlar, o Batman quer destruir e o Lex Luthor quer se tornar essa figura, que por si mesmo só se importa com a namorada sem sal. A figura realmente divina aqui na verdade é a Mulher-Maravilha em sua ponta, bem fraca em comparação ao arco principal já que sóaparece pra cumprir tabela de apresentar o resto da Liga da Justiça (fué).

Continuo com minha opinião que assistir a quaisquer 45 minutos desse filme é incrível, mas é uma experiência tão densa e direta que a duração completa acaba sendo ao mesmo tempo corrida, estufada e cansativa, mas com muitos aspectos positivos. Tem muito simbolismo exagerado, mas pessoalmente me agrada muito o arco do Jimmy Olsen, fotógrafo coadjuvante amado pelos fãs de quadrinhos, se revela um infiltrado da CIA, um agente do governo americano manipulando um dos maiores jornais das maiores cidades do maior país do mundo é um dos melhores exemplos do poder da extravagância literal que o mundo de Snyder pode oferecer.

P.S. Pra um filme tão recheado de todos os tipos de exagero cortar a cena
enquanto o Laurence Fishburne xinga devia ser crime.

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