On The Rocks

On The Rocks

Os conflitos das relações

Claudio Gabriel - 24 de outubro de 2020

As cenas iniciais de “On the Rocks”, novo longa da cineasta americana Sofia Coppola, trazem um cotidiano. Isso está centrado especialmente na figura que acompanharemos ao longo das um pouco mais de 1h30. Laura (interpretada por Rashida Jones) passa de toda a paixão inicial do casamento com Dean (Marlon Wayans), com sexo a todo momento, para um distanciamento e cansaço. Quando ela vê um stand-up de Chris Rock dizendo que “casar é parar transar”, ri de si mesma, pensando em como chegou àquele ponto de monotonia no seu relacionamento. O mesmo equivale para o lado do marido, sempre cansado por conta do trabalho em expansão.

Apesar disso, Laura começa perceber um comportamento diferente em Dean, algo que se torna mais forte com o retorno de seu pai, Felix (Bill Murray). Ele a convence a começar a acompanhar a vida do marido, em busca de tentar entender uma mudança de comportamento, desconfiando até de uma traição. A partir disso, acompanhamos o desenvolvimento de duas relações fortes no passado que se perderam: a de casamento e a familiar. A busca de Coppola fica por explorar o como acontece a destruição desses dois laços, que foram tão fortes desde o início da sociedade, e parecem se ruir.

Não há medo em estabelecer uma forma até bastante tradicional contemporânea do tratado da cineasta com o filme. As cenas iniciais, menos explícitas e sempre com uma música de fundo, além do passeio da câmera pela cidade em cada fim de uma sequência, rememoram bastante o trabalho de Woody Allen. Da mesma forma, a diretora retoma a criação de um cinema puramente realista-feminista, que tem sido desenvolvido bastante por Greta Gerwig. No meio dessas duas maneiras de pensar o mundo, Sofia também encontra o próprio debate da sua realização, na complexidade dos conflitos geracionais. Apesar disso, não é apenas no caminho mais óbvio de debater um certo tratamento errôneo de pessoas mais velhas por mais novas ou vice-versa. No entanto, a intenção é mais ir afundo na construção dos relacionamentos nesses mundos completamente diferentes.

Fica claro como a protagonista aceita a realidade que tem. As conversas com Vanessa (Jenny Slate) na escola das filhas já demonstram como essa vida “comum” é aceitável para ela. O tratamento sem tanto carinho com as filhas, a falta de sexo com o marido, e a falta do pai, geram uma personagem extremamente solitária. Isso se torna mais intensificado na maneira como Sofia Coppola sempre a coloca no centro do quadro e distanciada do que está a sua volta. É como se quase faltasse uma razão para viver. E isso diretamente contrasta com a vinda do pai, que parece um ser muito mais contemporâneo que ela. Com diversas amizades, nutrindo um amor por arte, e até conseguindo brincar com as filhas (a cena em que ele assiste “Breaking Bad” com as duas crianças, mostra como seu pensamento é mais para uma aceitação dessa nova realidade). É como se Laura agora tivesse um choque de como viver, tendo de ter contato com um pai que parece muito mais conectado com o momento que vive do que ela mesma. O que fazer nesse contexto? Assim, a personagem reverbera tudo para o casamento.

Coppola até tenta criar um paralelo da relação de seus pais com o dela e de Dean, no entanto isso passa quase desapercebido. Poderia ser explorado de forma a dar mais destaque nessa brincadeira temporal sobre as relações no mundo. E é bonito a forma de como, com essa direção bastante banal sobre o mundo, acaba transmitindo um espírito ainda maior de um amor pela humanidade. Como se os defeitos apenas trouxessem ainda mais quem todos poderiam ser. E como, na realidade, as duas gerações poderiam se ouvir mais, já que parecem ter tanto em comum na forma de pensar . Grande parte da narrativa se passar dentro de restaurantes, como se não existisse nem mais tempo para poder dialogar em casa ou na rua, transforma ainda mais essa posição da cineasta. Do mesmo jeito, o fato de, em duas cenas, vemos um desenvolvimento de flerte por diferentes gerações acontecendo dentro desses espaços. É como se fossem atemporais para os humanos.

Em uma espécie de tratado sobre a forma de entendimento das relações, “On the Rocks” é um trabalho que não vai tão afundo no aspecto amoroso em si – como em trabalhos anteriores de Sofia Coppola, caso de “Encontros e Desencontros” e “O Estranho que Nós Amamos“. Nesse sentido, talvez rememore mais essa maneira de observar o mundo contemporâneo de “Bling Ring“. Aqui, a diretora quer tentar entender como as relações, sejam elas de amizade, familiares ou amorosas, tornaram-se tão líquidas. “On the Rocks” parece quase feito em outra época, como se tivesse realizado em uma visão futura. Talvez Coppola se olhe assim mesmo, fora de seu tempo. Exatamente da mesma forma que Laura. Mas por quê? Só nossas relações mundanas podem explicar.

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