Sessão Bruta

Sessão Bruta

Filme se repete em performances artísticas e discurso, com pouca criatividade.

Michel Gutwilen - 27 de janeiro de 2022

Antes de Sessão Bruta, uma nota observacional, sem juízo de valor, sobre sua seleção dentro da Mostra Aurora. Só passei a acompanhar Tiradentes em 2020 e acho que, desde então, este deve ser o projeto a conseguir entrar na Mostra Aurora que mais flerta com o hibridismo artístico, algo como uma videoperformance, que até então só via em outras mostras paralelas do festival (como a Cinema em Transição) ou até um tipo de filme que eu esperaria ver mais em algo como um Festival Ecrã da vida. “Bom ou ruim”, esta inclusão mais ousada mostra como o festival está aberto para outros tipos de projetos mais fronteirísticos das noções de cinema dentro da Mostra Aurora, um tema que poderia ser muito interessante e caloroso de se discutir na modalidade presencial.

Sobre o filme em si, Sessão Bruta é um pouco esgotante e limitador neste seu jogo entre discurso em off com imagens de danças performáticas ou dos bastidores deste grupo de protagonistas. É uma espécie de looping que impede o filme de criar asas para propor outras ideias por boa parte de sua duração. Na verdade, esta dualidade parece uma proposição mais aleatória, de um gesto de ruptura pela simples ruptura, do que uma verdadeira dialética pensada entre som e imagem. O que parece é que aquele discurso em off foi encaixado posteriormente naquelas imagens, ou vice-versa, porque elas eram o que eles tinham de material visual gravado entre eles, de modo que seus realizadores ficaram esperando que alguma dialética mágica não-intencional surgisse desse encontro. Além disso, para um filme que discute de maneira ampla importantíssimas questões generalistas da comunidade LBTQIA+, as imagens por outro lado me parecem narcísicas demais, o que não é um problema por si só, mas gera um conflito sobre o filme querer ser didático em seu discurso mas com imagens que parecem querer empoderar os seus protagonistas a nível individual. Aliás, em muitos momentos me lembrou uma espécie de versão longa-metragem de um curta que também está na Mostra Tiradentes este ano, parte da Série 1 da Mostra Foco, “Prosopopeia”, que também parte desta deambulação da câmera pelos espaços buscando com liberdade uma performance corporal, em um movimento até musical, além do gesto de ficcionalizar o próprio corpo, como um gesto de fabulação por si só, de renascimento e criação. A questão é que se essa ideia se sustenta nos menos de 20 minutos daquele curta, em Sessão Bruta o disco parece girar em looping em um processo repetitivo e não-criativo.

Por outro lado, há momentos, principalmente na sua progressão, em que o filme desapega um pouco de seu material base, se perdendo tanto em imagens mais abstratas e falas desconexas que Sessão Bruta praticamente vira um filme-fluxo de consciência. Trata-se daqueles filmes que às vezes até te induz a bater cabeça por alguns poucos minutos em um estado de semi-sonâmbulismo, que ao acordar você você sabe que não perdeu exatamente nada porque o que importa é menos um acompanhamento lógico que necessita do entendimento de cada unidade da obra, mas mais essa unidade geral que pode ser retomada vista a partir de qualquer ponto. Quando se permite essa liberdade criativa, aí o filme passa a fazer mais sentido sobre as rupturas e liberdade que suas protagonistas buscam.

A comparação pode soar meio aleatória à primeira vista, mas vendo Sessão Bruta me lembrei do último filme do Woody Allen (ora, não há diretor mais distante em todos os sentidos, deste grupo de diretores), que estava nos cinemas recentemente. Nele, o protagonista, alter ego do diretor, fica o tempo todo interrompendo a narrativa, quase quebrando a quarta-parede, para falar que é um realizador medíocre que faz filmes medíocres. Esse é um tipo de autoconsciência que me dá um pouco de preguiça, uma espécie de falsa modéstia, em um movimento meio covarde que parece se blindar de críticas desde sua gênese (“se eu mesmo estou dizendo que meu filme é medíocre dentro dele, o espectador não poderá dizer”). Ora, Sessão Bruta também realiza um movimento parecido ao ficar ressaltando conscientemente suas próprias imperfeições no meio do seu discurso, sendo inclusive vendido na própria sinopse como um ‘filme por fazer’. Se o próprio filme não acredita que ele faz algum sentido, não sou em quem vou acreditar.


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