Domando o Destino (2017)

Domando o Destino (2017)

A destruição por dentro do Oeste americano

Claudio Gabriel - 5 de fevereiro de 2021

A primeira cena de “Domando o Destino” mostra detalhes de um cavalo, fazendo uma espécie de contraponto ao protagonista da história, Brady Blackburn (Brady Jandreau). Se imaginamos de forma clássica a relação do homem com esse animal como algo complementar, no contexto de alguém que vive no campo, que trabalha em rodeios ou até a clássica figura do pistoleiro em obras de faroeste, aqui existe um afastamento. Isso tudo justamente pelo fato de Brady não poder ficar em cima do cavalo por ter sofrido um acidente na cabeça, quase fatal. Ele, então, vive tentando continuar a vida e trazer uma espécie de fama que construiu do passado. Porém, tudo o distancia daquele mundo cada vez mais.

A diretora e roteirista Chloé Zhao tem um controle bem enigmático da narrativa. Devidamente, estamos em contato com um longa que explora os caminhos entre a natureza animal e humana. Assim, dentro da primeira meia hora de filme vemos o personagem principal participando de uma relação amistosa com sua família, especialmente com a irmã Lilly Blackburn (Lilly Jandreau), que também é irmã do ator na vida real. Ela é uma pessoa com deficiência mental, o que faz com que Brady busque um cuidado quase paterno quando conversam. Do mesmo modo, isso acontece quando o protagonista fala com seu cavalo e seu pai, tratando o animal em uma espécie de amor muito particular.

Esses pequenos elementos dramáticos consolidam o debate principal que “Domando o Destino” traz: a autodestruição do Oeste americano. Existe um caráter óbvio de nostalgia para discutir esse elemento principal, visto que a ideia clássica do Oeste no cinema é atrelada a uma produção clássica dos Estados Unidos. Contudo, é necessário ressignificar como isso existe em um mundo menos fechado e muito aberto a complexidades. Brady Blackburn não é o herói que John Wayne fez muitas vezes, mas uma figura falha, que reconhece seus erros. Não à toa, Zhao dá muito destaque ao trabalho diário do personagem no mercado. Da mesma forma, é bem claro como a cineasta possui um apreço a toda a ideia do faroeste por si só, visto que usa e abusa de passagens que remetem a sequências emblemáticas de John Ford (especialmente em planos mais abertos) de longas como “Rastros de Ódio” e “Rio Grande”.

Mesmo com isso, a ideia não é propriamente gerar uma desconstrução mitológica dessas figuras, mas repensá-las em um mundo de muito mais erros. O pistoleiro não podia errar nem um tiro sequer, senão poderia ser morto; já aqui ele não precisa dar um tiro, mas erra de muitas outras formas, incluíndo na relação familiar e com seu cavalo. Ao longo do andamento da trama, vemos um personagem cada vez mais conectado com esse mundo que o construiu para ser um cowboy e muito mais relacionado a uma ideia de fraternidade. Assim, ele cuida de um menino com um problema, por exemplo, e não é tratado com heroismo. O medo é muito mais forte em suas atitudes do que a ação, por isso mesmo o filme dá destaque a um trabalho sensitivo sobre esse universo místico do Oeste do que de uma frontralidade dramática. Nesse sentido, chega até a rememorar “Os Imperdoáveis”, de Clint Eastwood.

Muito do que é feito em “Domando o Destino” é simplesmente uma imaginação de caubóis em uma realidade de medo onipresente. Enquanto o Oeste foi consolidado por muito tempo pela ideia da morte, do sangue, mas também dos mitos e das figuras lendárias, agora ele está mais relacionado a ideia de um menino simples, que trabalha em rodeios e pode ser considerado como um ídolo para uma figura mais jovem (a cena que uma criança pede um autógrafo reforça isso). Chloé Zhao não tem medo de entender que tudo nesse cosmos precisa ser ressignificado. Assim, comparado a cena inicial, a última mostra mais essa proximidade do homem com o cavalo. No entanto, diferente do controle que os seres humanos geralmente possuem com o animal, a cineasta faz o inverso. Agora, esse universo é tão diferente, que o animal pode se sentir mais livre que os homens.

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