Quando escrevi para a primeira temporada de Love não fiz uma crítica, mas uma resenha sobre como a série explorava conceitos de Amor Líquido, livro do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Com uma linguagem despretensiosa e um formato próximo das sitcons de televisão, Love aborda os relacionamentos contemporâneos de forma surpreendentemente profunda. A segunda temporada tinha a responsabilidade de se ater à proposta, mas podia colocar tudo a perder já no começo, dependendo da forma como resolvesse a tensão deixada no fim da primeira.
Felizmente, desde a escolha acertada de continuar exatamente de onde parou, Love reitera que é uma série sobre relacionamentos e não um conto de fadas. As pessoas são problemáticas e carentes, mas não são burras. Mickey (Gillian Jacobs) está falando para Gus (Paul Rust) que quer ficar um ano sem se envolver com ninguém e ele lhe dá um beijo. Isso não a faz mudar de ideia – não reclame de spoiler, essa é a primeiríssima coisa que acontece na temporada.
O tamanho enxuto de 30 minutos por episódio é muito bem aproveitado pelos roteiros, que colocam os personagens em tarefas pontuais do cotidiano, responsáveis por dar a cada um mais camadas de complexidade e desenvolver a história central. Mickey e Gus podem ficar juntos, afinal de contas?
É possível assistir às duas temporadas de Love como um movimento pendular. Se a primeira desconstruiu Mickey, essa é a temporada em que Gus tem as suas fraquezas expostas. O mais agradável da série é como as mudanças são sofridas. Por mais que os dois gostem um do outro e queiram estar juntos, é difícil abandonar velhas manias que tornam o relacionamento difícil. É no esforço que está a beleza. Quando ele faz uma “autocrítica” a respeito do flerte em pubs, não poderia estar mais equivocado na análise. Ninguém se torna perfeito do dia pra noite porque quer ser.
A forma como Gus lida com os vícios de Mickey faz a série andar. Mas, diferente da maioria das produções deste gênero, ela não é uma mulher fraca incapaz de dizer não ou tão maravilhada com os esforços de um homem para ignorar suas falhas. Nem mesmo é um exemplo de conduta. Se Gus não é perfeito, Mickey definitivamente também não.
Ainda é difícil comprar a ideia do alcoolismo de Mickey, talvez o grande erro da série. Vícios só são percebidos como tal quando provocam perdas e sofrimento. Mickey nunca sofreu por beber e usar drogas recreativas. Parece que o criador Judd Apatow não confiou que o público compraria a ideia de uma viciada em relacionamentos e quis colocar um vício “de verdade” para as pessoas notarem o comportamento de um adito. Uma pena, pois a codependência emocional é muito crível e o vício em bebida, não.
Positivamente, Love desenvolve os personagens secundários. Bertie (Claudia O’Doherty) é quase uma co-protagonista e seu relacionamento com Randy (Mike Mitchell) é tão interessante quanto o de Mickey e Gus. Arya, a atriz mimada da série ridícula onde Gus trabalha como professor particular, ganha uma carga dramática com a história do divórcio dos pais e de como ela é responsável por sustentar a família.
Esse é um tema – ainda bem – recorrente em Love: mulheres que precisam ser fortes para não serem engolidas por homens inseguros. Greg (Brett Gelman) é o arquétipo do macho autocentrado ferido, que se considera irresistível para todas as mulheres e transforma uma negativa em uma campanha de difamação contra quem “ousou” não se atirar aos seus pés. O pai de Mickey (que aparece num clássico episódio filler) é um fracassado que precisa diminuir a filha para se sentir melhor enquanto pessoa. O próprio Gus, que tenta genuinamente melhorar como pessoa, usa os defeitos de Mickey para ignorar os próprios problemas.
Nesta jornada de descoberta, compreensão e tolerância, a segunda temporada de Love termina um arco de forma estruturalmente perfeita. Mas já está confirmada uma terceira. Se House of Cards poderia terminar na segunda temporada e aqui estou eu, ansioso pela quinta, darei este crédito à Netflix. Ela fez por merecer.
Assista a todos os episódios de Love clicando aqui.