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Sonhos Lúcidos

Sonhos Lúcidos

Matheus Fiore - 2 de junho de 2017

O cinema sul-coreano é, sem dúvida, um dos mais interessantes da atualidade. Filmes como The Wailing, são exemplos perfeitos de um bom horror, enquanto Invasão Zumbi é um filme de ação frenético, com ritmo crescente e montagem extremante inspirada, podendo ser chamado de Mad Max asiático. Quer mais? Um filme mais existencialista, talvez? Certo Agora, Errado Antes, de Hong Sang-Soo traz isso e acrescenta uma boa dose de poesia e niilismo. E se esses exemplos não bastam, podemos apelar e mencionar simplesmente A Criada, do mestre Chan Wook-Park, o melhor filme lançado no Brasil em 2017 até o dia em que escrevo esse texto.

Mas não existe cinema perfeito, e até o bom sul-coreano tem seus deslizes. No caso, o erro é o fraquíssimo Sonhos Lúcidos, de Kim Joon-Sung. Nessa amálgama de mistério, thriller policial, fantasia e ficção científica, somos apresentados à Dae-ho, um jornalista investigativo que tem seu filho sequestrado em um parque de diversões. Após três anos de busca em conjunto com a unidade policial local, o rapaz decide tentar descobrir o paradeiro da criança pelo projeto “sonho lúcido”, que permite reviver suas memórias e sonhos e adentrar nas de outras pessoas, em um esquema parecido (até demais, diria) com o de A Origem, de Christopher Nolan.

A narrativa segue uma estrutura espiral que, conforme avança, torna-se mais lúdica e menos lúcida. Inicialmente, vemos apenas um drama e thriller policial sobre um jornalista em busca de seu filho sequestrado, mas logo o filme abandona a lucidez de seu título e se torna uma aventura fantasiosa onde um personagem invade o sonho do outro, gerando cada vez mais perguntas e menos respostas. Piora o fato de Sonhos Lúcidos flertar com o fantástico mas nunca ter coragem de adentrar a fantasia completamente, usando-a apenas como escape narrativo. Quando o espectador finalmente consegue investir sua crença nos sonhos, o filme volta para a realidade. Quando acostumamos com a realidade, eis que a narrativa novamente se desdobra para os sonhos, sem nunca fazer essas transições com sutileza.

A fotografia do filme é equivocada. O sonho lúcido consiste em um sonho onde o indivíduo tem plena ciência de sua condição, e vive o sonho como se fosse uma realidade. O diretor de fotografia utiliza cores chapadas para acompanhar tais cenas de “sonhos” e torna a experiência excessivamente lúdica. Enquanto em A Origem o mundo dos sonhos é construído por construções repetidas, mal acabadas e com labirintos lógicos, representando uma mente perturbada mas consciente, em Sonhos Lúcidos o mundo dos sonhos é igual ao original, mas banhado por cores e imagens desfocadas e embaçadas que dão um tom onírico não condizente com as situações retratadas. Não há também muita criatividade no manuseio da câmera, que escolhe manter sempre o mesmo jogo de plano e contra-plano para retratar os diálogos, dando uma linguagem arcaica para a obra e prejudicando a mise-en-scene.

No ato final, o filme passa a  chupar ainda mais das ideias de A Origem e acaba sendo uma versão mais mal feita, sem drama e com muito kung fu. A luta, aliás, é um dos pontos baixos do filme. Se não bastasse as coreografias pouco inspiradas e pouco críveis (sério, todo mundo sabe kung fu nesse mundo? Até os jornalistas?), a edição picotada tenta disfarçar a falta de criatividade com muitos cortes entre os choques, que acabam só existindo graças à edição de som, que insere a sonoplastia dos golpes. Não ajuda a trilha musical, que faz o óbvio em todas as cenas. Há uma situação dramática? Uma trilha crescente vai acompanhar a cena até o grande clímax. Há um suspense? O mesmo tema de poucas variações vai estar lá durante toda a passagem. E por aí vai.

Por seus defeitos, Sonhos Lúcidos mais parece um filme americano falado em coreano. A falta de domínio do diretor sobre a narrativa proporciona um verdadeiro monstro de frankestein temático, que não sabe alternar entre o drama policial, o suspense e a ficção científica sem que as sequências sempre tornem os momentos anteriores pueris e desconexos. Mas nem tudo é um fracasso no longa. O instinto paterno super-protetor que motiva o protagonista ajuda na identificação do público e ajuda a fazer o espectador torcer para que o protagonista cumpra sua missão. Sonhos Lúcidos não chega a ser uma bomba, mas é um filme extremamente previsível, que só repete elementos de inúmeros outros filmes americanos com uma execução pobre. Se você nunca viu Vanilla SkyA OrigemBusca Implacável, é capaz de se entreter com o que é apresentado aqui.

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