Por que você não chora?

Por que você não chora?

Proposta interessante não sustenta obra que, por sua simplicidade, mais se parece um comercial do que um filme

Matheus Fiore - 18 de setembro de 2020

O filme de Cibele Amaral que abriu a 48º Festival de Cinema de Gramado se encontra em um território muito arriscado por vários motivos. O primeiro é por tratar de um tema tão delicado como é o da saúde mental, tema esse que, se mal retratado esteticamente, facilmente pode estereotipar pessoas com transtornos mentais e reforçar preconceitos da sociedade. Desse mal, ao meu ver, Por que você não chora? não sofre. O cuidado com que Cibele Amaral retrata a questão de forma distanciada, sem pressuposições e sem caricaturas, é essencial para que esse respeito seja mantido – pelo menos na maior parte do tempo.

Há, porém, o segundo principal motivo. Justamente por tratar de um tema delicado e importante para a sociedade, a obra de Amaral parece, muitas vezes, se preocupar mais em retratar os efeitos de problemas mentais nos personagens de forma isolada do que em amarrar todos os temas em uma narrativa concisa. O resultado é que, mesmo que Por que você não chora? seja um filme interessante e com a intensidade dramática desejada por sua autora, a sensação é a de que o resultado é mais um comercial que ressalta a importância de se discutir saúde mental e que não consegue fazer isso tão bem como um filme. Acaba caindo, portanto, naquele grupo de filmes “utilitaristas”, que põem seu conteúdo como elemento importante demais para ser dissecado pela forma cinematográfica, que é justamente o único meio de construir uma narrativa filmica a partir do conteúdo.

Por que você não chora? acompanha Jéssica (Carolina Monte Rosa), uma estudante de psicologia que acompanha Bárbara (Bárbara Paz), uma mulher na fase final de sua internação e que tenta se reintegrar à sociedade e resgatar seus relacionamentos familiares conforme volta à rotina. O que Cibele Amaral propõe com essa premissa é desmistificar os transtornos mentais e mostrar que a mera criação de tabu ao redor deles contribui para o agravamento do problema, e evidencia como transtornos mentais não são características de pessoas anormais, podendo ser identificados em qualquer um de nós.

O problema é que a narrativa do filme nunca engata. O tempo inteiro acompanhamos as diferentes fases do estudo de Jéssica enquanto a personagem aos poucos descobre seus próprios transtornos ao conviver com Bárbara. Entretanto, Amaral nunca desenvolve muito esses pontos, e foca mais na interação da dupla protagonista e nos efeitos que a visão preconceituosa sobre as vítimas de transtornos causa na vida da personagem. As passagens referentes à relação de Bárbara com sua família até são interessantes, principalmente por remeterem aos reencontros melancólicos de Uma Mulher Sob Influência, de Cassavetes, mas isso também nunca é plenamente aproveitado – ao ponto de, em certa parte do filme, essa trama ser completamente abandonada.

A própria construção do processo de autodescoberta de Jéssica não é lá muito interessante, já que além de o roteiro não ter muito a sugerir para a estudante, a atuação de uma nota só de Carolina Monte Rosa não sugere qualquer complexidade em sua personagem. Por outro lado, Cibele Amaral até consegue construir um cenário interessante para Jéssica, já que passa boa parte do filme reafirmando sua normalidade – a solitária figura materna que concilia trabalho, estudo e maternidade –, mas nem isso acaba tendo tanta utilidade narrativa, já que sua transformação é muito brusca e não imprime qualquer efeito, pois ocorre apenas quando o filme está prestes a acabar.

O resultado de Por que você não chora? é um filme muito preocupado em retratar as diferentes facetas, características e efeitos do tabu sobre sanidade mental, mas que acaba não dramatizando seus acontecimentos ou tornando seus personagens complexos o suficiente para que eles se pareçam algo além de figuras saídas diretamente de um comercial do Ministério da Saúde. Falta um maior apego à forma, um maior interesse não só pela investigação das personagens e da sociedade, mas em tornar eles características cinematográficas – seja em um terror, um drama, o que for. Curiosamente, a simplicidade faz com que o filme flerte com a estereotipagem de seus personagens, o que o aproxima muito daquilo que tenta criticar. O descuido com a forma acaba por contradizer o próprio conteúdo. No fim, Por que você não chora? se preocupa demais com a mensagem em pouco em torná-la um… Filme.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para o 48ª Festival de Cinema de Gramado. Para ir até a página principal de nossa cobertura, clique aqui.

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