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Eu, Daniel Blake

Eu, Daniel Blake

Matheus Fiore - 11 de outubro de 2016

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, Eu, Daniel Blake, o mais recente longa do consagrado cineasta britânico Ken Loach, é mais que um simples filme, é um estudo da humanidade contemporânea. Trazendo influências principalmente de Umberto D, filme chave do neorrealismo italiano (movimento cinematográfico que retratou a miséria da Itália pós-Guerra) a obra é uma profunda e melancólica análise de como o estado subjuga, despreza e conduz à insanidade os membros das camadas mais pobres da sociedade.

O filme acompanha Daniel Blake, um carpinteiro de cinquenta e nove anos que, após sofrer um ataque cardíaco, é proibido de trabalhar por sua médica. Daniel então recorre à ajuda estatal para manter alguma estabilidade enquanto se recupera, mas esbarra na burocracia e no desumanizado atendimento dos profissionais do estado.

As dificuldades de Daniel se tornam pequenos momentos de alívio cômico no primeiro ato, mas conforme conhecemos o personagem e vemos a dificuldade que passa, estes problemas (que se repetem por toda a película) deixam de ser engraçados e passam a ter um tom mais depressivo. Esse tipo de sensação é bem construído por Loach e pelo argumento de Paul Laverty, que aliados à fotografia de Robbie Ryan, retratam sempre ambientes vazios, frios e/ou sujos com muitos planos abertos e imóveis.

O protagonista é interpretado com maestria por Dave Johns. A atuação humana e minimalista, acompanhada da também conservada trilha sonora (que não deve acompanhar mais de três minutos do filme) ajudam a construir o clima sorumbático de Eu, Daniel Blake. A personagem de Katie (Hayley Squires) e seus filhos também são preciosos na construção narrativa, mostrando que o desdém do estado não se atém aos mais velhos.

Katie e sua família são também úteis para expor o lado humano de Daniel, que, apesar de não ser calado, não tem muita oportunidade de falar sobre sua vida. Afinal, boa parte do filme mostra o carpinteiro preenchendo formulários, buscando emprego e tentando usufruir de seus direitos. Além disso, a mãe solteira, por ter duas pequenas crianças que dependem dela, é importante na trama para mostrar um patamar de degradação humana que Daniel, por ser um personagem mais experiente, independente e seguro, não alcança.

Conforme o filme avança, a montagem passa a fazer mais uso de transições em fade out e fade in, como se a vida dos personagens estivesse esmaecendo. As forças se esgotam e os olhos já não se abrem com a mesma vida. Essa opção potencializa as cenas de desgaste emocional e físico dos personagens, como em um dos mais fortes momentos do longa, quando Katie vai retirar sua cesta básica.

O filme faz questão de mostrar que se pelo menos os funcionários do “sistema” fossem mais empáticos, inúmeros problemas burocráticos poderiam ser encurtados. A cena em que Daniel conhece Katie e seus filhos deixa esse descaso bem evidente e mostra que além das vítimas, há os cúmplices do sistema. Totalmente desumanizados e mecanizados.

Eu, Daniel Blake expõe a falta de respeito com a condição humana existente no estado britânico, mas funciona também como ferramenta de análise de diversas sociedades, principalmente a brasileira, onde os mais miseráveis são impotentes, tratados com descaso e vistos como produtos estragados. Seja pelos líderes, pelo sistema, ou pelos cúmplices (que, curiosamente, também são vítimas).

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