Alienígena

Alienígena

A desumanização do trabalhador como parte fundamental do capitalismo é o mote do curta sul-coreano

Matheus Fiore - 15 de outubro de 2020

Desde a explosão do capitalismo na Coréia do Sul, o cinema se tornou um meio artístico fortíssimo para falar sobre as relações de trabalho. O exemplo mais óbvio, mas que não deixa de ser interessante, é Parasita, de Bong Joon-ho, que explora diretamente a relação entre patrão e empregado partindo da comédia, passando pelo terror até chegar ao drama. Joon-ho costumeiramente utiliza elementos fantásticos do terror como meio de falar sobre isso, algo que havia feito no também interessante O Hospedeiro. O curta Alienígena, de Yeon Je-gwang também demonstra interesse pelas relações empregatícias, mas utiliza o elemento fantástico de forma alegórica. Aqui, o alienígena não é literal, não há invasores verdes disfarçados de humanos; a palavra alienígena, aqui, remete diretamente ao sentimento de não pertencimento a um mundo cujas regras e emoções são subjugadas pelo trabalho.

Ao longo de quinze minutos, Alienígena acompanha Hongmae e Reonghee, duas trabalhadoras de fábrica que são, na verdade, imigrantes ilegais chinesas. Elas tentam passar despercebidas, mas se preocupam com coisas tão típicas da sociedade onde estão, como pagar as contas e manter seu emprego. Há, porém, uma sensibilidade em uma delas que parece faltar aos demais personagens. Logo na segunda cena, acontece uma fiscalização da imigração na fábrica onde as personagens trabalham, e Reonghee acaba cometendo suicídio para evitar ser pega. A partir daí, o filme mostra como Hongmae lida com a ausência de sua companheira e como o mundo ao seu redor sequer percebe o peso do acontecimento.

Após uma curta conversa de Hongmae com seu chefe, a protagonista já volta a trabalhar como se nada tivesse acontecido no plano seguinte. Yeon filma todo seu filme com planos estáticos, que muitas vezes sequer enquadram o que de principal acontece na cena, justamente para causar um estranhamento e também uma sensação de aprisionamento da personagem, já que ela existe por e para somente servir de mão de obra. O que o diretor trabalha é uma sensação de não pertencimento e desumanização, como se o trabalhador fosse, de fato, um alienígena no capitalista.

Esse sentimento de deslocamento, construído tanto pelo título quanto pela forma como Hongmae busca qualquer desenvolvimento emocional em seus colegas de trabalho e patrão que só pensam em continuar trabalhando, leva a personagem ao isolamento, ao exílio. Sua fuga da fábrica para uma estrada, ao fim do filme, evidencia como, mesmo que não verbalize, Hongmae busca algo diferente. Não é explicitado, mas é evidente que a ida de Hongmae e Reonghee para a Coréia do Sul se deu por pretensões econômicas e profissionais. Entretanto, foi necessário algo tão drástico quanto um suicídio para Hongmae perceber que nenhuma tranquilidade financeira é capaz de amenizar uma vida de escravidão, de despersonalização.

A protagonista logo percebe que, no capitalismo, que dita todas as relações vistas no filme, o mero ato de sentir, de se preocupar, de amar, é algo alienígena e que só há espaço para o lucro. A fábrica não pode parar após um suicídio, e então, Hongmae percebe que não pode continuar nesse ciclo sem perder seus últimos resquícios de humanidade.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a edição de 2020 do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Para ir até a página principal de nossa cobertura, clique aqui.
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