Ar Condicionado

Ar Condicionado

Paralisando a imagem em prol da fuga

Egberto Nunes - 21 de setembro de 2021

As primeiras imagens de Ar Condicionado são fotografias em preto e branco, paralisadas pelo tempo e se movimentando em cima de um jazz que acompanha a entrada das imagens e do glossário que define o título. Os personagens não conhecemos e os lugares são diversos. Prédios, pessoas se agarrando em ACs pelo mar, rostos e corpos dos moradores da cidade, nos encarando. Essa sintonia vai voltar muitas vezes durante o longa. No filme há uma dedicação de atenção para o que está paralisado na imagem, ao que vai caminhando de forma lenta e sinuosa pelo espaço. Porém, quando os personagens estão se movendo, em cores, longe da abertura, é o quadro de ação deles que nos encara, esperando nossa reação de volta.

A jornada de Matacedo em busca do conserto do ar condicionado de seu chefe condiz à máxima: o processo é mais importante que a chegada, não importa o resultado. Entre o almoço e os jogos de xadrez, ouvimos junto com os personagens, pelo rádio ou pela televisão, os debates políticos sobre as causas e soluções para a queda repentina de ACs instalados pelos prédios, que estão provocando acidentes e mortes pela cidade de Luanda. O chefe quer o equipamento consertado. Zezinha, a empregada, busca com Matacedo uma vez ou outra o noticiário. Mas também tratam com naturalidade quando presenciam a fatídica queda do ar.

No lugar das desventuras, a obrigação é caminhar com Matacedo pelos labirintos dos prédios da cidade. Uma dedicação ao espaço é privilegiada, disputando a observação quieta do personagem, cujo cinza do uniforme se mistura com as paredes. É sempre carregado pela trilha, compondo clipes cujo som se ligam ao rádio do cenário, elemento que notamos apenas no fim da faixa no fim da performance, despertando um estranhamento que irá se repetir em muitos momentos. O som também volta para mesclar o clima. Quedas de ACs podem matar qualquer um passando pela calçada, pelos corredores. Mas não é isso que o filme busca aprofundar. Tirando uma corrida lenta – pelo efeito do filme – dos colegas de Matacedo, o próprio parece não denotar muita atenção para os equipamentos. Não é um suspense pela espera da próxima queda, não é o fim do mistério sobre os ACs e parece até mesmo reducionista dizer que o processo seja o principal, quando nem mesmo ele em si parece ser o foco. 

Fradique volta a lente para os intervalos, busca paralisá-los lentamente no tempo, em vias de girar o olhar da atenção e voltar para aspectos internos dos personagens sem examiná-los textualmente. Quando a luz é jogada na cara e ao redor de Matacedo, onde o mesmo examina o espaço ao caminhar e o filme dança com a sua trilha pela montagem, é quando essa introspecção toma a conta. 

Entre os intervalos, temos a entrada no portal do técnico, onde a tecnologia vira chão, os fios se confundem e as memórias aparecem nas imagens. E, novamente, parecem renegadas em prol da descoberta da atenção ao carro funcionando com AC, onde Matacedo vai viajar. Longe de fincar soluções, há em Ar Condicionado um interesse pela introspecção dos personagens em suas jornadas naquele dia comum. É uma viagem que não muda de lugar, mas reposiciona os elementos internos dos personagens, suas reações perante aos objetos encontrados por eles. O computador e as memórias, o carro e o ar instalado nele. São reações que causam mudanças diretas. Os debates políticos estão permeando a queda de equipamentos que não aguentam mais o calor, mas não é essa a via que os personagens irão buscar. Fradique inverte a expectativa. Se esperamos uma busca incessante pela solução, ela não acontecerá, não vamos ver, e nossa atenção será direcionada para outro canto, para o que está acontecendo na mudança de efeitos do filme.

A caminhada de Matacedo é pelo tempo e pelos espaços. Fradique vai diluir cada um, esforçando para que o olho percorra as ruas e o corpo sinta o dia passando. Isso ocorre sem necessariamente cair no tédio, mas é ampliado pela fuga temporal, causada pelo som e pelo olhar para longe da cidade ou para cada mísero canto dela. O movimento é de voltar ao glossário das cartelas iniciais, é de condicionar as imagens a um ar específico.  Ao se concentrar nesses pequenos momentos e optar por trabalhar lentamente essas fugas, o filme acaba atingindo outros possíveis e imaginados espaços (mágicos, fantásticos, existentes apenas para aqueles que vivem aquele momento) para os personagens envolvidos.

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