Furiosa: Uma Saga Mad Max

Furiosa: Uma Saga Mad Max

Boa ação de George Miller é enfraquecida pela dificuldade de passar a marcha

Matheus Fiore - 23 de maio de 2024

Estrada da Fúria se notabiliza pela urgência de uma ação que nunca reduz a marcha. É um filme que estabelece seu conflito político (administração de recursos nas mãos dos poderosos) junto ao dramático (a luta de Max por sobrevivência) e, com ambos alinhados, acelera até não poder mais. Furiosa: Uma Saga Mad Max faz um contraste com seu antecessor ao se desenvolver a partir de uma narrativa com pausas. Como o prelúdio, o novo filme de George Miller existe para experimentar uma ação que não vive de constante aceleração, que precisa vez ou outra interromper as sequências para ordenar as ideias. A história da heroína é desenvolvida ao longo de cinco capítulos que mostram como a criança sequestrada pela gangue de Dementus se tornou o anjo mais sombrio do deserto.

Quando Furiosa e Jack, seu companheiro de viagens, percorrem a estrada da fúria e formam uma dupla letal, não há necessidade de nenhum diálogo para que o espectador compreenda a profundidade da conexão ali formada. Eles se entendem pelas atitudes, pelo que almejam e representam, pela posição social que ocupam na cidadela de Immortan Joe. Miller, afeito ao cinema mudo, acredita que as imagens falam mais do que qualquer diálogo. O mesmo vale para o ódio que a protagonista nutre por Dementus ao longo de quinze anos: é algo que só vem a ser verbalizado nas últimas cenas de Furiosa, mas está sempre lá, pelos olhares e movimentos.

Nesses momentos, quando fala pela ação, Furiosa é um deleite. George Miller filma ação como poucos – ou ninguém – no cinema blockbuster de hoje. Não só pelos enquadramentos e movimentos, mas principalmente pela ordenação dos acontecimentos, pela constante transformação pelas quais suas imagens passam. Um evento desencadeia novas possibilidades e não há hesitação em abraçá-las. Furiosa, assim como Estrada da Fúria, está sempre em busca do novo, pronto para abraçar o que a próxima curva guarda de novidade. Mas vez ou outra, nessas grandes cenas, há um estranhamento, uma dificuldade de identificar a possibilidade da tensão que pode até frear o ritmo, mas potencializa. Quando a personagem principal precisa decidir se vai fugir ou voltar para ajudar um amigo, o filme parece ansioso demais para que a ação aconteça, o que impede a narrativa de parar por um instante e construir uma angústia que conceda peso à escolha.

Não há problema em manter um ritmo ágil quando a obra a isso se propõe. Mas Furiosa deixa claro, até por sua divisão em capítulos que não é essa a ideia. Vemos diversos trechos da vida da personagem para entender onde ela estava em Estrada da Fúria, mas Miller não cede pausas para os momentos de ação terem sua própria tensão interna. Há uma urgência que, muitas vezes, é boa, mas em outras, dilui o peso do momento. Mesmo que a personagem tenha dúvida sobre quais atitudes tomar, faz falta que a imagem reaja a esses instintos da heroína, que a montagem desafie o tempo e a force a agir. É tudo tão automático que o impacto de uma decisão importante desaparece. Assim como quando um personagem importante morre, a escolha por não explorar a violência do ato é acertada, mas a ausência de pausa, de uma construção de montagem para que Furiosa sinta o impacto também enfraquece o drama.

Já sobre o subtexto político, a disputa por recursos no pós-capitalismo está lá, mas sua abordagem não consegue se conciliar com o espetáculo de carros, tiros e explosões sem que algo fique pelo caminho. A quantidade de tramas e personagens exige que o filme desacelere vez ou outra, mas Miller não negocia uma redução de velocidade. Por isso, a vingança, a trama política ou a ação: um dos três sempre acaba ficando para trás. No fim, um dos três elementos tem que ceder. E após colocar a ação acima de tudo – o que, vale a nota: não é um problema – em certo momento, Furiosa parece não se importar mais tanto com a fricção dos carros se não como dispositivo que vai permitir a próxima reviravolta, e não como um fim em si. Algo que, em Estrada da Fúria, não acontece, já que cada frame do filme de 2015 traz consigo, juntos, a ação e a política. É como se o filme, de certa forma, se traísse e abdicasse de acelerar justamente quando precisa acelerar, assim como se nega a cadenciar quando o momento pede por isso. No fim, Furiosa é como um carro sendo dirigido a 80 km/h, mas cujo motorista se recusa a passar a quinta marcha – ou um carro que está a 30 km/h e o motorista não reduziu o câmbio.

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