Gabriel e a Montanha

Gabriel e a Montanha

Matheus Fiore - 17 de outubro de 2017

Às vezes, filmes que retratam fatos encontram na previsibilidade da história seu calcanhar de Aquiles. Um dos longas exibidos recentemente no Festival do Rio, o drama Batalha dos Sexos, é um desses casos, quando o peso da narrativa está em acompanharmos uma história que o final é de conhecimento público, o que faz com que o peso do clímax inexista. Nem precisamos  ir longe para achar mais exemplos, o interessante Fome de Poder recebeu críticas pelo mesmo motivo: mostrar que o McDonald’s tornou-se a maior franquia de fast food do planeta não é lá algo muito surpreendente.

Consciente desse recorrente problema em cinebiografias, o diretor Fellipe Barbosa (Casa Grande) faz uma escolha interessante: não há mistério acerca da morte de Gabriel Buchmann, jovem que viajou pela África durante dez meses e acabou falecendo enquanto fazia uma trilha no Malawi. Gabriel e a Montanha não é um drama enlatado, mas uma missa cinematográfica respeitosa e intimista, que prefere calcar-se nos encontros  e despedidas dos últimos dias da vida de Gabriel a explorar a dramaticidade de sua tragédia.

Com uma câmera quase sempre distante, mantendo planos médios e abertos por quase toda a metragem, Barbosa e o diretor de fotografia, Pedro Sotero, fazem com que os enquadramentos se formem com naturalidade, beirando a estética documental. O filme ainda faz uso inteligente das belas ambientações por onde Gabriel passou, trazendo planos que começam filmando o rosto do protagonista e deslocando-se até os cenários, permitindo que o espectador insira-se no ponto de vista de Buchmann.

Se, por um lado, a fotografia e a direção acertam em boa parte da obra, por outro, a montagem mostra-se mais irregular. Quando, durante as narrações, a montagem traz fotografias tiradas pelo próprio Gabriel, o longa funciona por fortalecer ainda mais sua veia documental. A divisão em capítulos, todavia, não se justifica e prova-se apenas uma vã tentativa de separar o filme em capítulos. Outro erro é a repetição da fórmula de relacionamentos: Gabriel chega em um novo país, faz amizade com um local que o guia pelas cidades. Por mais que, de fato, a viagem de Buchmann tenha ocorrido dessa maneira, utilizar a mesma estrutura para estabelecer todas as viagens do protagonista parece uma escolha não muito criativa.

Embelezando a jornada de Gabriel, os encontros com sua namorada e amigos que faz durante a viagem proporcionam alguns dos mais belos momentos da obra. Como ser humano falho que é – e a obra faz questão de mostrar isso quando retrata o protagonista tendo discussões e atitudes infantis e egoístas com sua namorada -, Gabriel está sujeito a erros, mas, mesmo assim, ao fim de cada ciclo de relacionamento, vemos que o único legado deixado pelo brasileiro foi alegria. Aqui, as narrações em off com depoimentos reais das pessoas que tiveram suas vidas entrelaçadas com a de Gabriel mostram a espontaneidade e o espírito aventureiro que guiavam o jovem.

A obra faz questão de não romantizar a morte do rapaz, retratando os momentos finais de maneira distante e fria, mas mantendo o personagem sempre sorridente e aventureiro. Por um lado, é notável o esforço do diretor de tratar seu filme não como uma reles biografia, mas como uma carta de despedida, tanto dos amigos quanto do próprio cineasta para Gabriel. Por outro lado, isso resulta em um clímax morno e arrastado, que não impacta mas também não emociona, já que não há espaço para subjetividade.

Em vez de encerrar a jornada do protagonista com o início da escalada que levou à morte de Buchmann, Gabriel e a Montanha prefere manter a câmera próxima ao personagem vivido por João Pedro Zappa, forçando uma aproximação entre o espectador e Gabriel que já estava estabelecida ao longo da projeção. O pecado de Gabriel e a Montanha, então, não é a distância entre seu protagonista e o público, mas o excesso de esforço na aproximação, que impede que a obra encontre recursos narrativos mais sutis para concluir o arco do rapaz por haver a necessidade de sempre estarmos acompanhados de Buchmann.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.

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