Meu Pai

Meu Pai

Imersão elegante numa mente enferma

Wallace Andrioli - 2 de abril de 2021

Como filme sobre um homem idoso consumido pela demência, Meu Pai poderia facilmente chafurdar no dramalhão. Mas o diretor e roteirista Florian Zeller, se baseando numa peça teatral de sua própria autoria (o roteiro foi escrito com Christopher Hampton), preferiu mergulhar na mente do protagonista Anthony (Anthony Hopkins). Aqui também espreitava uma armadilha: a do maneirismo, do histrionismo visual para tentar concretizar as sensações e delírios do sujeito.

Zeller, no entanto, encontrou um caminho alternativo bastante interessante. Ele incorpora à narrativa a subjetividade de Anthony, mas faz isso mantendo certo distanciamento na construção das imagens, sempre elegantes, discretas. Meu Pai por vezes se torna um filme de horror para o protagonista, mas isso se dá por meio da articulação inteligente de acontecimentos na trama, e não de algum tipo de estilização visual visando a tornar os espaços físicos a externalização de uma mente enferma.

São duas as forças primordiais que fazem com que o filme funcione tão bem: a organização e desorganização de elementos de cena e do enredo (atores diferentes interpretando versões dos mesmos personagens, situações que se repetem, a passagem do tempo quase nunca clara) por meio da montagem (o cinema acima do teatro!) e a atuação devastadora de Hopkins. A lógica aqui é de ação e reação. A primeira força referida é o vetor ativo da narrativa, que embaralha a realidade e joga (talvez essa não seja a melhor palavra, já que não há diversão com o sofrimento de Anthony, Zeller não explicita nenhum impulso sádico) com a confusão cada vez maior do protagonista.

A segunda é o receptáculo absolutamente fragilizado dessas ações. Anthony é pura reação a um entorno que não consegue mais compreender. Ator habituado a personagens dominadores, Hopkins surge em Meu Pai despido dessa imagem recorrente em sua filmografia. E faz isso sem se entregar ao overacting: ele constrói o protagonista a partir de pequenos gestos carregados de incerteza, muito familiares a qualquer pessoa que já conviveu com alguém em situação semelhante. A dúvida, a raiva, o olhar perdido, a infantilização manifesta na vontade de se mostrar a uma estranha muito mais jovem e no choro desesperado do final. O tamanho da autodesconstrução de Hopkins lembra Jack Nicholson em As Confissões de Schmidt (2002), mas sem a ironia típica do cinema de Alexander Payne e com uma carga dramática muito maior.

É, portanto, incrível que Zeller consiga evitar o dramalhão choroso tendo esse tipo de material em mãos. As lágrimas até vêm, mas em decorrência dessa presença fragilíssima de Hopkins, que sempre parece prestes a se quebrar diante de outros personagens, e da verossimilhança do sofrimento do protagonista, compartilhado pelo espectador de forma consciente, sem qualquer pretensão, por parte do filme, de criar uma experiência imersiva que encaminhe para o apelativo. No fim das contas, não há qualquer necessidade disso para que se manifeste a percepção de que o destino de Anthony pode ser o de qualquer um.

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