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Passageiros

Passageiros

Matheus Fiore - 4 de janeiro de 2017

Dois dos gêneros mais decadentes dos últimos anos são justamente o romance e a ficção científica. O primeiro por ter sido assolado por seguidas comédias românticas de gosto duvidoso e com tramas repetitivas,  o segundo pela evidente falta de criatividade e profundidade presentes nos recentes roteiros de Hollywood (o gênero só conseguiu obras dignas recentemente, com Ex-Machina e A Chegada). Em Passageiros, o filme tenta reunir ambos os elementos e aposta em dois dos atores mais queridos por Hollywood na atualidade, Chris Pratt e Jennifer Lawrence. A obra até esboça bons momentos., mas peca por ser previsível, raso e inserir escolhas moral e eticamente erradas no desenvolvimento de seus personagens.

A trama acompanha um casal que despertou 90 anos antes do previsto durante uma viagem intergalática. O filme tem um ato de abertura aceitável, todo o design de produção está muito caprichado e torna a nave Avalon, que transporta os personagens, crível e atraente. Ao despertar, Jim Preston (Pratt) demora para compreender sua situação. Inicialmente, segue o procedimento padrão até perceber que foi, aparentemente, o único a sair da hibernação induzida. Jim, então, tenta de todas as formas voltar à sua capsula ou alertar alguém sobre o problema, mas sem sucesso.

Entre o começo e a introdução da personagem de Jennifer Lawrence, há o momento mais interessante do filme, quando Jim passa um tempo sozinho na espaçonave, tentando se adaptar à solitária rotina. O protagonista exibe pequenos traços de confusão mental, mas esse elemento não é bem aprofundado por diversos fatores. O primeiro é a direção estéril do norueguês Morten Tyldum.

O ideal para retratar a solidão de uma pessoa sozinha em uma nave perdida no espaço e a 30 anos de distância do planeta mais próximo seria utilizar planos abertos, ressaltando o vazio do ambiente, e talvez alterna-los com enquadramentos que sugiram a claustrofobia de Jim, impotente diante da situação. O filme, porém, opta por focar na divertida rotina do protagonista, sempre bebendo e realizando atividades de lazer disponibilizadas pela colônia espacial. Além de uma sutil mudança de expressão do personagem, só presenciamos algum sinal de perda de sanidade quando ele surge com barba e cabelo grandes.

Há, porém, uma boa cena em que o personagem surge com um olhar perdido no meio do espaço, e com o distanciamento da tela pelo zoom-out da câmera, torna-se ínfimo no escuro do universo. Mesmo esse interessante quadro, porém, é prejudicado. Aqui entra o grande defeito do filme: a trilha sonora. Para se ter a sensação de isolamento plena, há necessidade de trabalhar o silêncio e destacar sons do ambiente e de pequenos gestos. Passageiros opta pelo caminho contrário e imprime uma sufocante trilha musical que impede qualquer cena de destacar a situação de Jim.

Chris Pratt não consegue dar vida alguma para seu personagem, sendo extremamente canastrão e não imprimindo nenhum traço de personalidade à James. A química com Jennifer Lawrece é praticamente nula, já que ela não sai do piloto automático e não demonstra o mínimo interesse na obra. Mas os atores não estão sozinhos na má construção do casal, o script parte de uma absurda e imperdoável ideia para possibilitar o encontro de Jim e Aurora, e ainda falha ao não cimentar a perda de sanidade de Jim que não justificaria, mas tornaria menos odiosa uma absurda atitude do protagonista (que, aliás, compromete muito o carisma do personagem e deixa o filme no mínimo com extremo mau gosto).

Com a chegada do terceiro ato, por não ter desenvolvido seus personagens e o contexto do isolamento e do desespero de forma coerente, o filme abusa do “deus ex machina” (recurso oriundo do teatro grego que consiste em, de forma inverossímil, resolver conflitos do roteiro de forma arbitrária e simplória) e chega a incomodar o mais desligado espectador. Há personagens que surgem inexplicavelmente, ajudam os protagonistas em seus problemas e desaparecem em seguida.

Recheado de problemas no seu texto e com uma direção sem sensibilidade, Passageiros tem poucos momentos realmente bons e funciona quase exclusivamente no seu humor (muito graças ao carisma do casal protagonista e de Michael Sheen do que ao roteiro). A trilha sonora erra o tom em todos os momentos, sempre muito mais destacada do que deveria (talvez tentando imprimir o impacto que o roteiro foi incapaz de dar). Até a boa direção de arte é prejudicada pela equivocada direção de Morten Tyldum, quando ele não utiliza o rico visual à serviço de sua narrativa, apenas como um pobre enfeite de plano.

Uma obra que arrisca tanto na ficção científica quanto no romance e falha em ambos os gêneros, trazendo um gigantesco e imperdoável defeito moral e ético no desenvolvimento de seus personagens, tornando extremamente difícil a  criação de alguma empatia por parte do público. É um grande desperdício não só de eficientes atores mas das boas premissas trazidas ao longo do primeiro ato da trama. Um filme que poderia ser uma interessante mistura de Titanic com o ótimo Lunar, de Duncan Jones, acaba sendo mais uma história de amor insípida, esquecível e em alguns momentos, até ofensivamente sexista.

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