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A Tartaruga Vermelha

A Tartaruga Vermelha

Matheus Fiore - 13 de fevereiro de 2017

Sendo um dos mais fortes candidatos ao Oscar de melhor animação em 2017, A Tartaruga Vermelha traz um diferencial que o torna uma das obras mais curiosas do ano: o filme não possui sequer uma linha de diálogo. Apesar disso, é uma obra com uma intensa narrativa sobre a vida humana, seus caminhos, barreiras e destinos. A trama se inicia sem nenhuma explicação prévia, quando somos apresentados a um homem perdido no oceano durante uma tempestade. O rapaz sem nome acorda em uma ilha deserta, e passa então a tentar sair do lugar, mas se vê impedido por uma enorme tartaruga vermelha.

Inicialmente, parece tratar-se apenas da saga de um homem tentando voltar a civilização, mas aos poucos o filme se estabelece como uma obra recheada de alegorias visuais a diferentes situações e escolhas que todo ser humano deve enfrentar ao longo da vida. É interessante notar que, para cimentar o fato de que o protagonista não é uma pessoa específica, e sim uma representação física de qualquer homem, a falta de diálogos é importantíssima, evitando a criação de uma personalidade.

Na construção desta figura, que guia a obra sem nenhuma individualidade, também são importantes as escolhas visuais na construção do protagonista. Mesmo havendo um intenso trabalho para dar vida às florestas, praias e diversas formas de vida da ilha, é curioso que o personagem tenha um rosto baseado em traços extremamente simples e limpos, com olhos construídos simplesmente com pontos negros, tornando sua figura extremamente neutra e desprovida de qualquer individualidade. Um verdadeiro avatar de toda a humanidade.

Ao constatar que sua fuga da ilha é frustrada por uma enorme tartaruga vermelha, o protagonista imediatamente é tomado por ódio e age baseado em seus instintos mais primitivos para expressar suas emoções. É uma sutil, mas importante opção do roteiro só permitir que o personagem enxergue na tartaruga uma vida humana quando este se aproxima dela por dias, devido a culpa.

Ao ser sensível pela primeira vez, o protagonista encontra o amor, e posteriormente, forma sua família. A beleza da obra, neste ponto, é ressaltar que o lugar de onde o homem tanto tentou fugir, a ilha, tornou-se o lar de sua companheira e filho. As florestas e rios, que o personagem tanto percorreu buscando material para construir sua jangada, aqui já se tornaram quase cômodos de sua nova casa. Para estabelecer a relação do homem com a ilha, a opção de retratar alguns dos cenários apenas sob um ângulo durante toda a metragem é importantíssima, fazendo com que o espectador veja tais locais não de forma genérica, mas como pontos específicos da “casa”.

A relação de aprendizado também é um dos mais poéticos pontos de A Tartaruga Vermelha. Se no primeiro terço da obra acompanhamos o protagonista conhecendo a ilha, seus pontos perigosos e aprendendo, principalmente, a respeitar e se relacionar com a natureza, no segundo já vemos como o personagem e sua companheira guiam o filho por tais lugares, ressaltando a importância da harmonia com o natural e dos ensinamentos familiares retratados aqui.

Em conjunto com a ausência de texto, o filme funciona ao utilizar a linguagem poética para contar sua história. Como por exemplo, a aproximação entre o protagonista e a mulher de cabelos vermelhos, que resulta no nascimento da criança momentos depois, por exemplo, é construída com uma sensibilidade que encanta. A elevação dos personagens em direção ao céu, em plena sintonia, e posteriormente a sucessão de quadros que indica que a criança é oriunda da água (essencial para a vida, afinal), são alguns dos belos momentos de A Tartaruga Vermelha.

Para enriquecer ainda mais o bonito filme, a direção de arte que utiliza uma impressionante variação de cores sem que nenhuma tire a identidade das locações ressalta os diferentes momentos com diferentes sentimentos que os personagens passam ao longo de suas vidas. Igualmente importante é a trilha sonora, que calcada em uma orquestração, imprime forte lirismo às cenas do longa.

A Tartaruga Vermelha é um filme que precisa ser visto com carinho e atenção, sendo capaz de emocionar seu espectador graças à sinceridade e sutileza das belas imagens apresentadas. Um estudo alegórico e antropológico sobre a efêmera vida humana, seus ciclos e relacionamento com o mundo, capaz de, mesmo sem sequer uma troca de palavras entre seus personagens (com exceção de gritos e urros muito pontuais), imergir quem assiste na beleza de seus simbolismos.

 

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