“Creep 2” e os presságios sobre a morte do Cinema

“Creep 2” e os presságios sobre a morte do Cinema

O horror found footage que transforma a crença na verdade em um antagonista sobrenatural

Redação - 23 de janeiro de 2020
Por Fellipe José Souza

O primeiro pensamento que gostaria de evocar ao começar este texto sobre “Creep 2” é em memória ao que André Bazin colocava como ideal utópico, ao afirmar que, mesmo com uma captação próxima da realidade pelo cinema, tal noção seria impossível e até mesmo desnecessária.

Patrick Brice (diretor e roteirista) e Mark Duplass (roteirista), ambos nascidos na estética do Mumblecore, arquitetam na premissa do longa um anti formalismo ao colocar como centro narrativo Sara, uma internet filmmaker que está gravando o último episódio de sua web-série, protagonizado pelo possível serial killer Aaron – interpretado por Duplass. Um mockumentary que coloca como eixo principal uma produção para internet já denota um caráter provocativo que traz em evidência a convergência de distribuição vivenciada no contemporâneo, na qual a linha entre distribuição e formato já destruiu aspectos lineares.

O contemporâneo como contexto permite uma abordagem ousada na narrativa fundamentada nas mudanças no próprio dispositivo cinematográfico que são palpáveis e cada vez mais democráticas e acessíveis, assim como a força da distribuição audiovisual presente na internet, desprendida de qualquer amarra de gênero; tais atualizações são inseridas pelos autores nas apropriações estéticas, permitindo uma lógica que aproveita de um fluxo muito despreocupado com a veracidade do found footage e que aceita a falta de barreiras entre transmissão e recepção da obra.

Apesar da brincadeira contextual proposta pelos idealizadores, nota-se também a aceitação da inexistência de pretensão em relação à possível evolução técnica. Os conceitos estéticos existentes em “Creep 2” são presentes tanto na história do cinema quanto na arte, transitando entre found footage – que, em uma visão temporal mais ampla, já é esboçado em Dracula de Bram Stoker – e o mockumentary. O que encontramos nessa relação é uma ressignificância do formato para um contexto temporal que vive em constante convergência.

E o mito do cinema total?

Patrick Brice e Mark Duplass personificam em Aaron o que Orson Welles já ditava em “Verdades e Mentiras”: a inexistência da realidade na sétima arte; tudo não passa de um truque e o que importa é a execução da mentira.

Aaron é um farsante que perdeu a inspiração de executar seu espetáculo e que ao chegar perto da morte retorna com o ímpeto necessário para a continuidade de sua arte. É na farsa que Aaron encontra a plenitude da execução. No meio de uma onda pseudo-realista ditada por cineastas como Cristopher Nolan e Denis Villeneuve, que se esforçam na tentativa de levar seus espectadores a um patamar de falsa reflexão no qual a única linha proposta – e possível verdade – é o pensamento do autor, o renascimento de Aaron é um manifesto pontual que preza uma estética de autoconsciência, na qual apenas na aceitação da mentira encontramos a essência do formato. Somente com a morte de uma estética que abraça um purismo inerte às mudanças chegamos a uma relação honesta com a sétima arte.

O universo de “Creep” é estruturado em uma possível captação autêntica da mentira, onde os personagens são dispostos nos espaços como espectros palpáveis de uma situação de falácia, e só no momento que o espectador escolhe acreditar na narrativa a experiência ganha forma.

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