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Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

Mais do que uma celebração, uma constatação da vida pelo cinema

Matheus Fiore - 29 de novembro de 2020

Fazer um documentário sobre uma figura que desperta tanto carinho quanto Héctor Babenco traz uma carga bastante pesada. Quem decidiu fazer uma homenagem em forma de arte foi justamente sua companheira, a atriz e diretora Bárbara Paz. O olhar de Bárbara vai bem além do registro de imagens e acompanhamento histórico da carreira de Babenco. Paz tenta, na verdade, mostrar como vida e obra de Babenco conversam e se fundem, e como o diretor permanece presente por sua arte. Babenco: Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou é o puro discurso artístico de seu documentado, seja esse discurso proferido diante da câmera da diretora, de entrevistas antigas ou até mesmo o cinema do próprio Héctor Babenco, que para Paz, está e continuará vivo graças a sua filmografia.

A ideia de Bárbara para nos permitir compreender sua visão é criar um filme extremamente etéreo. A sensação é de que navegamos pela mente de Babenco. Desde o começo, que parece ser filmado durante os últimos momentos de Babenco em vida, até o fim, quando o personagem parece plenamente integrado a sua própria filmografia, passando a existir apenas por sua própria arte. Não por acaso, essa narrativa mistura registros da própria Bárbara com trechos de filmes de Babenco, fortalecendo a ideia de que a câmera do cineasta é seu olhar, sua forma de ver e registrar o mundo e nele viver.

Com isso, não só artista e obra se misturam, como o filme permite que o falecido autor se expresse justamente por seus trabalhos. Trechos pinçados da filmografia de Héctor Babenco chegam para expressar seus sentimentos, pela fala e pelas imagens. Pelo discurso e também pelo tom de cada plano projetado. As cenas do começo, por exemplo, são retiradas de momentos de confusão e tensão da obra de Babenco, como se Bárbara tentasse nos inserir na alma do protagonista enquanto ele deixa de ser um corpo físico para se tornar uma memória pela arte. Babenco é um filme feito já com um protagonista ciente de que está em seus derradeiros momentos, e ele e Paz usam esse cenário para homenagear e manter viva a arte e a memória de Héctor Babenco.

É instigante perceber também como essa narrativa onírica nos faz ter a sensação de que a proposta de “Babenco” talvez seja operar como uma carta de despedida, que funciona tanto como um adeus de Hector para o mundo – mesmo que ele já tenha o feito no biográfico Meu Amigo Hindu –, quanto de Bárbara para seu companheiro. Ao mesmo tempo, a obra ainda propõe uma ponte de transição entre o mundo e a eternidade. Se no começo, o olhar de Bárbara é dominante, ao fim, a sensação é a de que o espírito do próprio Babenco tomou o filme, já que Bárbara filma cenas descritas por Hector como seu sonho para um possível fim de vida. 

Babenco nos põe diante de um protagonista que nos deixou, mas que se recusa a deixar de existir; se recusa a se afastar de sua arte e passa a habitar sua própria filmografia para permanecer vivo. “A vontade de estar vivo que se mantém pela vontade de finalizar um filme”, diz Héctor em um trecho. Para Babenco, viver era filmar, e a obra de Bárbara Paz celebra isso ao unir registros reais e a ficção feita pelo cineasta, o que resulta no fato de que sua partida não parece uma troca do mundo material por um paraíso, mas do mundo físico por um filme, do real para o ficcional. Porque para Babenco, parecia não há paraíso maior do que uma tela e 24 quadros por segundo. Mais do que uma celebração, Babenco é uma constatação da vida pelo cinema.

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