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Demônio de Neon

Demônio de Neon

Matheus Fiore - 21 de setembro de 2016

Demônio de Neon, novo filme de Nicolas Winding Refn (Bronson e Drive) traz Jesse (Elle Fanning), uma jovem modelo de 16 anos que se muda para Los Angeles em busca de um novo rumo para sua vida. Chegando na cidade, Jesse faz um ensaio fotográfico com um amigo de internet e tenta começar sua carreira de modelo.

A narrativa foca exclusivamente na história de Jesse e sua solitária trajetória no selvagem e competitivo submundo da moda. De concorrentes invejosas à artistas de caráter duvidoso, mesmo quando bem intencionados, todos são ameaçadores ante a figura da jovem protagonista.

A fotografia de Demônio de Neon remete diretamente a Drive, não só pelo uso exacerbado das cores e seus contrastes como pelos enquadramentos, que aliados aos tons, causam desconforto e ajudam a construir o terror psicológico. A direção de Refn também é competente ao utilizar o contraste de planos abertos e fechados e plongées e contra-plongées para retratar a vulnerabilidade de Jesse. Além disso, a construção da mise-en-scene também é essencial para a existência do clima soturno e ameaçador que envolve a protagonista.

O roteiro, infelizmente, não amarra estes bons elementos e constrói uma narrativa rasa. O fio que conduz a história é a crítica ao “culto ao corpo perfeito” e à cruel “indústria da moda de pessoas descartáveis”. As críticas, porém, são simplórias e já foram exploradas em diversas outras mídias, não trazendo nada de novo. A parte mais interessante, que seria a objetificação da figura da mulher, é apenas arranhada superficialmente pelo script.

Outros fatores que prejudicam o andamento da película são sua montagem e edição. Mesmo possuindo apenas 117 minutos de projeção, Demônio de Neon faz cada minuto ser sentido. Alguns planos, mesmo belos, são arrastados por muito mais tempo do que o necessário e servem apenas para o deleite da bela fotografia, não possuindo qualquer função narrativa aparente. O filme poderia facilmente ter vinte minutos a menos, que em nada afetaria a compreensão e andamento da trama.

Mesmo com quase duas horas de projeção, o filme não consegue desenvolver todos os personagens e suas subtramas. O personagem de Keanu Reeves está totalmente deslocado da trama principal, e alguns acontecimentos ligados à sua trajetória até parecem ser interessantes, mas são mal explorados.

Já a história de Jesse com seu amigo fotógrafo Dean também é subaproveitada. É, alias, desinteressante, e há desenvolvimento em excesso na primeira parte do filme para depois ser totalmente ignorada. Se o objetivo não era focar neste relacionamento, o roteiro poderia (e deveria) ter dado menos destaque nos primeiros atos. O ideal seria o personagem ter apenas uma participação pontual e simbólica, como a do outro fotógrafo, Jack (Desmond Harrington), e não ser um óbvio e clichê amigo romântico.

No meio de muitos momentos pseudo-poéticos há, porém, alguns acertos de Refn. A cena do primeiro show de Jesse, em que há um jogo de luzes e reflexos que simboliza a perda de sua inocência e o abraçar de sua nova vida, como se o demônio do título fosse uma transformação, não uma figura, é belíssimo. Outro acerto de Refn é o uso de espelhos em inúmeros diálogos para fortalecer a ideia do culto à beleza perfeita que o filme critica.

As atuações, mesmo contidas e automáticas, acabam servindo bem à historia, já que a figura feminina é tratada como um objeto, não um ser. A busca pela perfeição transforma as personagens em verdadeiras bonecas vivas, e a pressão externa é tanta que as próprias aceitam e abraçam este conceito, passando a viver em função desse mundo doentio e competitivo.

Apesar de ser narrativamente vazio, desperdiçar ideias e não desenvolver suficientemente temas interessantes, Demônio de Neon possui alguma qualidade, principalmente estética. Vale ser assistido principalmente por fugir da fórmula de cinema hollywoodiana que domina o mercado atual. Nem sempre Refn fará um novo Drive, afinal, ele não é nenhum Ingmar Bergman, que fazia um novo clássico por ano, mas se mostra diferenciado por, mesmo ao errar, trazer referências visuais interessantes e nos brindar com um final forte e satisfatório.

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