A Mulher Que Fugiu

A Mulher Que Fugiu

Para onde vai o cinema de Hong Sang-soo?

Matheus Fiore - 10 de fevereiro de 2022

O cinema de Hong Sang-soo vem se reinventando dentro de suas próprias fórmulas há anos. Se compararmos o novo A Mulher Que Fugiu com um de seus mais aclamados trabalhos, Certo Agora, Errado Antes, é enorme a diferença na abordagem da história. Para começar, Hong é muito mais frontal na revelação da trama, não deixando espaço para manipulações de tempo. O diretor talvez ache que explorou ao máximo suas variações formais há alguns anos – talvez em 2017, que considero seu auge, com as obras-primas A Câmera de Claire e Na Praia à Noite Sozinha.

Mas então, para onde vai o cinema de Hong Sang-soo? Agora, mais consciente de seu posto de observador do cotidiano do que nunca, Hong aborda temas não muito novos, mas de formas inovadoras dentro de sua própria assinatura. A Mulher Que Fugiu acompanha as jornadas de algumas mulheres enquanto tentam se libertar do papel de submissão em seus relacionamentos. Mas engana-se quem pensa que é uma questão de separações, divórcios e brigas. Na verdade, é muito mais uma crise existencial das personagens, que refletem sobre seus papéis no mundo e em seus relacionamentos conforme a protagonista vivida por Kim Min-hee atravessa seus caminhos. 

Tendo em mente essa ideia de renovar seu cinema, Hong se livrou de boa parte de seus jogos de manipulação pela montagem e minimizou ao máximo as grandes metáforas trazidas por personagens ou espaços – como ocorreu em O Hotel às Margens do Rio. A Mulher Que Fugiu se parece mais com o recente Encontros, um filme que encontra sua potência nas meras interações entre os personagens para revelar ruídos de comunicação entre gerações. No caso de A Mulher, Hong retoma um papel de invasor já assumido anteriormente em seu cinema por meio da única técnica cinematográfica que se mantém presente de forma chamativa no seu cinema: o zoom.

Esse invasor parece bastante interessado em encontrar um alívio nos diálogos entre mulheres, e há sempre uma quebra desse tom quando os diálogos incluem homens. Essa dinâmica, que vai desde o desencadeamento dos diálogos até o posicionamento da câmera, sempre reitera a ideia de conforto quanto uma mulher está na presença de outras mulheres, quanto de desconforto quando há de ter uma interação entre os sexos. A técnica que amarra essas distintas interações é a mais popular a obra de Hong: o zoom. 

O zoom foi muito popular principalmente durante a Nova Hollywood, mas é uma técnica que caiu em desuso tanto por marcar uma época, quanto por quebrar um pouco a desconexão com a realidade por parte do espectador. Portanto, engana-se quem pensa que Hong usa o zoom para imprimir tensão nas interações. A ideia, na verdade, parece ser mais expor sua própria presença no set. Hong, à sua maneira, se assume como mero observador e invasor nesses espaços femininos, assim como os atores que vez ou outra dão as caras para criar tensões. As mulheres do título fogem das próprias lentes do diretor. É uma escolha importante para o cineasta reconhecer seu papel distante como figura masculina em um cosmo narrativo essencialmente feminino.

É ponto pacífico entre seus admiradores que o cineasta está aprofundando seu processo de constante reinvenção dentro da forma fílmica. Mas, a cada obra, o autor parece minimizar ainda mais sua influência como coordenador da mise-en-scene e buscar ser apenas uma janela entre o público e os personagens. Carrega uma certa dose de ironia o fato de Hong fazer isso para criar em suas narrativas um sentimento de verdade, de mundo real, que é obliterado por técnicas invasivas como o zoom. 

O que temos, portanto, se parece com um estudo da linha tênue que divide arte e vida. Todo filme é essencialmente uma mentira, mas é possível encontrar alguma verdade na encenação. É na espontaneidade dessa encenação e na intervenção mínima da câmera e da montagem que Hong opera; é no limite entre verdade e mentira que floresce seu cinema. E como ninguém no cinema contemporâneo, Hong Sang-soo sabe que esse limite só pode ser encontrado no rosto de um ator. Porque afinal, todo filme é sobre pessoas, e especialmente os de Hong Sang-soo, que sabe disso como poucos.

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