Homenagem ao Vento

Homenagem ao Vento

Um filme que versa muito sobre a importância da sensibilidade humana simplesmente retratando sua ausência

Matheus Fiore - 20 de agosto de 2020

Homenagem ao Vento habita um limbo estético interessante. É, ao mesmo tempo, um filme extremamente experimental, tanto por seu formato quanto pela mescla de estéticas e quebra de lógica constante promovida pela montagem, como também um curta-metragem até bastante narrativo se comparado aos padrões do cinema experimental. A obra da dinamarquesa Sophia Ioannou Gjerding funciona quase como uma biblioteca de mitos e tecnologias de comunicação da civilização. Aliás, mais do que uma biblioteca, um túmulo, já que a sensação que toda a narrativa nos passa é que se trata de um mundo morto, perdido, esquecido. É como se a humanidade tivesse partido e restasse aos algoritmos dos videogames contar nossa história.

Essa história, porém, é contada não só pela estética dos games, mas também pela perspectiva dela. Homenagem ao Vento é um filme pragmático em sua narração, que rejeita qualquer referência imagetica à humanidade e se comunica sempre exclusivamente por animações, sejam elas desenhos animados antigos ou novos ou modelagens 3D. É forte a sensação de que, nesse mundo, fomos extintos e sobrou para nossas criações artísticas o papel de contar nossa história. Há uma rejeição da imagem humana, por vídeo ou foto, que abre até mesmo a possibilidade de entendermos a obra como resultado de um expurgo do criador por sua própria criação. Até as figuras humanóides que constantemente aparecem no filme acabam por serem transformadas em animais – vide a raposa de roupas em uma das animações.

O que torna o experimento de Gjerding interessante é a forma como as mecânicas e lógicas de games explicadas pela estátua que narra o curta são integradas à narrativa. O respawn, por exemplo, é um dos que mais se destacam. Nos games, respawn é a recriação de uma vida ou item após sua destruição – ou seja, um retorno, um recomeço. Há, ao longo dos doze minutos de Homenagem ao Vento, em torno de quatro ou cinco momentos de respawn. Gjerding cria a sensação de que o filme se sabota e se remonta ao longo do percurso. Como se buscasse se reconstruir vasculhando um antigo banco de dados, buscasse amarrar logicamente um conjunto de ideias e imagens que, a priori, não possuem essa conexão.

Homenagem é um experimento que equilibra muito bem o experimental com o narrativo. A obra utiliza o experimental justamente como meio estético de afirmação de suas ideias narrativas. A montagem e a seleção de imagens existe para criar um tom de desesperança, de abandono, como se após um arrebatamento, as últimas máquinas fizessem um esforço hercúleo para existir e manter viva de forma mínima a memória que resta da civilização. Uma memória, porém, enviesada, torta. Construída e protegida sempre sob um recorte limitado, de mitos deformados da própria civilização. Contaminados pelos algoritmos, que até compreendem esses mitos formadores, mas que não possuem a sensibilidade mínima para entender suas nuances. Em suma, um filme que versa muito sobre a importância da sensibilidade humana, simplesmente por retratar sua ausência.


Para ir até a pagina principal de nossa cobertura para o Ecrã 2020, clique aqui.
Para assistir a Homenagem ao Vento, clique aqui.
Topo ▲